Igreja Saint-Eustache – a igreja do ventre de Paris
Em Les Halles, no centro de Paris, não tem como não notá-la. Ela é enorme, imponente e marca uma época em que nobreza e comerciantes andavam pelo bairro e frequentavam a mesma paróquia.
Só que a população cresce. Além disso, a capela era frequentada por quem vinha da Île de la Cité e de Montmartre. Então, após várias reformas e ampliações, ficou decidido que a capela seria demolida e uma igreja maior construída no lugar.
A primeira pedra foi colocada em 19 de agosto de 1532, no reinado de François I. Não se sabe o nome do arquiteto e nem de seus colaboradores. A construção – como em muitas igrejas na França – é longa, dura mais de 100 anos. Mas, apesar do tempo, ela conserva uma unidade arquitetônica, o que talvez mostre que o projeto inicial não sofreu grandes mudanças.
A Saint-Eustache é consagrada em 1637, já com o nome do santo, cujas relíquias a igreja passou a abrigar. Mas a tranquilidade não durou muito: em 1665, Jean-Baptiste Colbert, ministro de Louis XIV, que frequentava a paróquia, decide construir duas capelas sob as torres da fachada, o que compromete a estrutura. Assim, a fachada e o primeiro tramo da nave e das naves laterais são demolidos.
E ainda não acabou. Só em 1754, o duque de Chartres, Philippe, coloca a primeira pedra dessa fachada. O projeto, realizado por Jules-Hardouin Mansart de Jouy, continua inacabado até hoje.
Igreja frequentada tanto pelos comerciantes do mercado quanto pela nobreza, é chamada de “Paróquia Real”. O número de personagens ilustres que ali passaram é de impor respeito. Só para citar alguns: Louis XIV fez sua primeira comunhão ali. Saint-Eustache foi também o lugar onde Richelieu, Molière e Madame de Pompadour (favorita de Louis XV) foram batizados. A missa de obséquios da mãe de Mozart também aconteceu nessa igreja. E Colbert está enterrado em uma de suas capelas.
Com a Revolução, a Saint-Eustache é fechada. Em 1793, torna-se Templo da Agricultura. Em 1795, é parcialmente cedida aos Théo-philanthropes, seita bem vista pelos revolucionários. Em 1844, sofre um grande incêndio. Assim, tanto a igreja quanto seu mobiliário já estão muito danificados.
No século XIX é um período de muitas restaurações e valorização do patrimônio histórico na França. Assim, Saint-Eustache é alvo de um ambicioso projeto de restauração e reconstrução. O diretor é o arquiteto Victor Baltard, famoso por construir os pavilhões de Halles (do mercado) na mesma época. Ele também desenha a caixa do órgão, o púlpito e o altar principal. Tudo o que estava degradado é refeito, como, por exemplo, as pinturas.
A restauração sofre um pouco com os acontecimentos de 1870/1871 (guerra contra a Prússia e Comuna de Paris). Logo em seguida, o teto, os contrafortes e a fachada sul são reparados. Em 1928, a fachada principal foi revista e estabilizada.
Em 1969, o mercado parte para a região de Rungis, na periferia ao sul de Paris. Então, a prefeitura cria no bairro a grande estação do RER Châtelet-Les Halles, (ligando as duas estações de metrô Châtelet e Les Halles), em 1977; um centro comercial, o Forum Les Halles, em 1979; e centros de atividades culturais. Assim, o público da igreja muda. Já não havia mais as famílias nobres desde a Revolução, agora também não haveria mais os comerciantes do mercado.
Em 1990, o órgão é restaurado. Depois, é a vez de a igreja sofrer uma nova restauração, que dura até hoje.
E isso nós podemos ver quando visitamos a Saint-Eustache. Uma parte dela está novinha, super iluminada. As fotos nem ficam tão boas de tanta luz. Já a outra parte, é bem escura, e por isso difícil de fotografar, e a gente vê as degradações do tempo e o quanto ainda precisa ser restaurado. Mas nada disso tira a beleza da igreja.
As proporções da igreja impressionam: ela mais parece uma catedral. No interior, a decoração é do Renascimento Francês e as medidas são: 100m de comprimento, 43 metros de largura e 33 metros de altura. Basta caminhar ali dentro e nos damos conta do quanto ela é alta, mas a sensação é de leveza.
Algumas obras-primas de Saint-Eustache
O altar principal – desenhado por Victor Baltard, um dos mais importantes arquitetos franceses do século XIX. Ainda no coro, os vitrais, de Antoine Soulignac, são mais antigos, do século XVII.
Chapelle de la Vierge (Capela da Virgem) – Era decorada com mármore, madeira e tinha quadros. Tudo desapareceu na Revolução. Restaurada em 1802, no altar há uma bela estátua de Maria, obra-prima de Jean-Baptiste Pigalle, um dos mais importantes escultores franceses, que viveu no século XVIII (veja o post sobre aSaint-Sulpice).
É consagrada em 28 de dezembro de 1804, pelo Papa Pio VII, que estava em Paris para a sagração de Napoleão I. Os afrescos da capela foram feitos por Thomas Couture, um dos principais pintores do século XIX, e narram o poder de intercessão de Maria.
Chapelle de Charcutiers, também chamada de Chapelle Saint-André ou du Souvenir – Situada logo após a porta de entrada (vá à esquerda logo após entrar), lembra a época em que várias corporações do mercado tiveram suas capelas. É uma das mais antigas, de 1230. No século XVII, foi da comunidade de pintores e escultores de Paris, antes de passar para a Corporação de Charcutiers (Salsicheiros), no final do mesmo século.
Recentemente, uma sociedade de Charcutiers, chamada Le Souvenir, retomou esse costume e financiou a reconstrução da capela Santo André, que havia sofrido com um incêndio. Eles chamaram um artista suíço, John Admeler, que concebeu uma obra contemporânea, inaugurada em 2000. Em uma das paredes, a pintura de Isidore Pils, do século XIX, mostra uma jovem que é empurrada por um soldado romano quando tentava recolher o sangue de Santo André martirizado.
O Mausoléu de Colbert – Fica à esquerda da Chapelle de la Vierge. Foi concebido por Antoine Coysevox, junto com o Charles Le Brun, este último primeiro pintor da corte de Louis XIV. O poderoso ministro do rei morre em 1683. Como sua família, assim como várias famílias nobres da paróquia, tinha uma capela na Saint-Eustache, decidiu-se construir um verdadeiro mausoléu no lugar.
Na efígie feita por Coysevox, Colbert aparece em posição de oração. Ao lado dele, duas alegorias femininas: à esquerda, a Fidelidade (que pode ser entendida como à Igreja e ao Reino da França), também obra de Coysevox. E à direita, a Abundância ou a Fé, realização de Jean-Baptiste Tuby. A obra, tipicamente barroca, é incompleta. No projeto original, um anjo desceria e uma arcada com a Bíblia em mãos.
Chapelle de la famille d’Epernon – Fica ao lado da capela de Colbert e o nome é por causa de uma família nobre, que mantinha o lugar. Aqui uma obra-prima, o quadro de Rubens, retratando os discípulos de Emaús, de 1611. A obra mostra toda a virtuosidade do artista: as expressões dos personagens, a perfeição ao retratar a natureza morta (algo muito característico dos pintores do Norte da Europa). Pena que a falta de iluminação não deixa as fotos mostrarem muita coisa.
Chapelle Saint-Vicent de Paul – Fica um pouco depois da capela de Epernon. Ela leva esse nome porque o santo viveu na área e frequentava a paróquia, entre 1613 e 1623. Aqui a curiosidade é uma obra contemporânea: La vie du Christ, de Keith Haring, de 1990. O artista foi voluntário em diversas cidades do mundo, defendendo causas como a AIDS, que o mataria no mesmo ano da obra. Doada a Paris, em 2003, por vontade do próprio Haring, ela foi colocada na Saint-Eustache porque a igreja acompanha muitas pessoas que sofrem da mesma doença. No centro das obras do artista há sempre uma criança, símbolo da inocência no nosso mundo violento. Aqui, o menino é Jesus.
Chapelle Sainte-Geneviève – Fundada em 1542, por Jehan Brice, comerciante burguês, teve vários nomes até ser consagrada em 1803 à santa. Nela está um quadro do pintor florentino Santi di Tito, chamado Tobia e l’Angelo. O que é curioso aqui é que a obra faz parte dos tesouros de guerra de Napoleão I.
Chapelle Saint-Louis – É uma das mais antigas da construção do edifício atual. As pinturas são de Felix Barrias, do século XIX, e retratam a vida do rei, desde quando ele coloca a Coroa de Espinhos na Sainte-Chapelle até sua morte. Já os vitrais mostram sua infância e as ogivas retratam a chegada aos céus depois da morte.
Chapelle Saint-Eustache – Dizem que guardava as relíquias do santo e de sua família. Tudo foi destruído na Revolução, mas o relicário em forma de cruz grega ainda está ali. As pinturas murais mostram a lenda do santo, que teria sido um soldado romano que, convertido ao Cristianismo, é martirizado com mulher e filhos, após a família negar-se a abandonar a nova religião. O autor da obra, de 1855, é Alphonse François Le Hénaff.
Chapelle Pélerins d’Émaüs – Leva esse nome por causa das pinturas, que retratam esse episódio. Muitos atribuem essas obras a Simon Vouet, outro pintor muito importante no século XVII. Dizem que foi ele também que fez as obras da Chapelle Saint-Vicent de Paul, mas não se sabe ao certo. Aqui uma coisa interessante é a obra Le départ des fruis et legumes du coeur de Paris (Tradução literal: a Partida das frutas e legumes do coração de Paris), de Raymond Mason. Ela faz uma alegoria da mudança do mercado do centro de Paris para Rungis, em 1969.
Chapelle Saint-Jean-Baptiste – Era dedicada a Saint-Denis, porque, em 1619, a abadessa de Montmartre, Marie de Beauvilliers, teria doado à igreja um pedaço das relíquias do santo e dos companheiros. Depois mudou para Saint-Jean-Baptiste por causa do batistério do século XX (São João Batista é sempre lembrando quando se fala em batismo). Aqui, há uma cópia do século XVIII do quadro de Rubens, L’Adoration des Mages.
Le Martyre de Saint-Eustache – Simon Vouet – Fica acima de uma das portas do fundo da igreja. Foi encomendado por Richelieu para o altar principal da igreja. Era completada, na parte de cima, por outra cena, do mesmo autor: L’Apothéose du Saint Martyr. Mas, infelizmente, a obra foi tirada da igreja e separada. A parte da apoteose foi enviada ao Musée de Nantes, no interior da França, e ainda está lá. A outra metade, a do martírio, depois de entrar na coleção de um cardeal, é doada por um tal de Moret, em 1855, à prefeitura de Paris, que o devolve à Saint-Eustache. Por que ela é tão importante? Porque Simon Vouet é um gênio da pintura francesa do século XVII e essa é uma das obras-primas dele.
Le Banc– É o lugar onde ficavam sentados os membros mais nobres da paróquia. O de Saint-Eustache é um dos mais bonitos da França e foi realizado em 1720 por Pierre Lepautre. Ele tem a forma de um pórtico sustentado por quatro colunas. Nele, está a estátua de Saint-Agnès, a padroeira da capela primitiva.
Em frente ao Banc d’Oeuvre, está o Púlpito desenhado por Baltard, no século XIX. Outra obra-prima da igreja.
Entre a porte de entrada e a Chapelle de la Vierge, uma capela apresenta uma escada e uma porta. Ela leva para uma outra capela, dedicada a Sainte-Agnès e às sala de catecismo e outras reuniões.
A fachada Inacabada de Jean-Hardouin Mansart de Jouy – Na parte exterior da igreja, na rue du Jour, nós podemos ver a fachada inacabada do famoso arquiteto. Frequentador da paróquia – foi, inclusive, batizado na Saint-Eustache -, aceitou fazer a obra como voluntário. Mas, em 1755, ele abandona a carreira. Após alguns anos de pausa, a fachada é confiada a Pierre-Louis Moreau-Desproux. Mas a Revolução para de vez os trabalhos.
Assim como outras igrejas de Paris, a Saint-Eustache recebe vários concertos de música clássica e sacra. Há uma pequena audição, gratuita, aos domingos, 17h30. Se tiver a oportunidade de ir, não perca. A acústica ali é perfeita.
fonte:http://diretodeparis.com/saint-eustache-a-igreja-do-ventre-de-paris/
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