quarta-feira, 2 de março de 2016

Beata Nhá Chica

Dedicada a uma missão: assim é possível resumir o caminho vivido por Nhá Chica, a leiga de Baependi (MG) que no próximo sábado (4) será declarada pela Igreja Católica a primeira beata do Sul de Minas. Filha livre de uma ex-escrava, poucos documentos contam a história desta mulher que passou seus dias aconselhando e cuidando de todos que procuravam sua ajuda. Ganhou o título de “Mãe dos Pobres” por seus atos de caridade e sua humildade na forma de viver.

Francisca de Paula de Jesus nasceu em meados de 1810 em Santo Antônio do Rio das Mortes, distrito de São João Del Rei (MG). O primeiro registro que se tem de sua vida foi o atestado de batismo de Francisca, em 26 de abril de 1810. Além disso, somente um inventário do irmão da beata, o testamento de Nhá Chica e seu atestado de óbito são os registros oficiais da vida da religiosa. O levantamento foi feito em 1998, quando a comissão histórica para o processo de beatificação de Nhá Chica foi definida.


“Ela era analfabeta, não escreveu nada em vida”, conta Maria do Carmo Nicoliello Tinho, que foi secretária da comissão histórica de Nhá Chica e responsável pela pesquisa. “Muito do que se sabia dela vinha da tradição oral, histórias que iam passando de pai para filho”. Para montar o processo de beatificação, era necessária a reunião de muitos documentos que provassem a existência da beata na cidade. “A primeira pista que encontramos foi um testamento deixado por Nhá Chica em que ela pedia que fossem rezadas tantas missas para o irmão e tantas para a mãe. Com isso pudemos buscar documentos do irmão dela, que sabíamos era alguém importante na cidade, e costurar as histórias com os fatos”, explica Maria do Carmo.

Mudança para Baependi
Francisca se mudou com seu irmão Theotônio Pereira do Amaral (que seria quatro anos mais velho que ela) e a mãe Isabel Maria para Baependi. Ela tinha cerca de 8 anos na época, e se desconhece o motivo da mudança. Sua mãe morreu logo depois de chegarem à cidade, quando a religiosa tinha cerca de 10 anos, e ela e o irmão passaram a viver sozinhos. Antes de morrer, Isabel teria dito à filha para ela “permanecer solteira, para melhor servir a Deus e à sua fé”. “Francisca nunca se casou, e passou a viver reclusa em sua casinha somente se dedicando às orações e recebendo pessoas para dar conselhos”, conta Maria do Carmo.

A fama da sabedoria da religiosa e de graças que conseguia através de suas orações começou a se espalhar pela região e pelo Rio de Janeiro. Já conhecida como Nhá Chica, que significa Senhora Francisca, ela recebia o povo em sua casa para aconselhamento, dos mais pobres até gente importante. “Conta-se que Nhá Chica recebia sempre os conselheiros do Império, que vinham para a região por causa das águas de Caxambu (MG) e não deixavam de passar por Baependi para visitar a beata”, completa Maria do Carmo.

A Capela de Nossa Senhora da Conceição
Theotônio, irmão de Nhá Chica, se casou, mas não deixou herdeiros. Quando ele morreu, em 1861, deixou sua fortuna para Nhá Chica. O irmão dela foi tenente da Guarda Nacional, vereador na cidade e juiz de vintena em um povoado próximo a Baependi, portanto é provável que deixou para a religiosa uma boa quantia de ouro, além de bens como a casa onde ela vivia e todo o terreno em volta.

Em 1865, Nhá Chica usou o dinheiro para construir uma capela no terreno herdado ao lado de sua casa para Nossa Senhora da Conceição, santa da qual era devota fervorosa. O restante, doou para os pobres. “Contam que, em determinado momento, um pedreiro chegou para ela dizendo que o adobe (espécie de tijolo de barro) não ia dar, que não tinha a quantidade suficiente. Nhá Chica rezou para a santa e, no final, não faltou nem sobrou um adobe”, conta Maria do Carmo. A obra seria concluída cerca de 30 anos depois.

É neste período que também se relata que aconteceu o milagre do órgão. Nossa Senhora da Conceição teria pedido à Nhá Chica que comprasse o instrumento para a igreja. Após perguntar para o padre o que era um órgão, a religiosa chegou para o maestro Francisco Raposo, amigo dela que sempre tocava para o imperador no Rio de Janeiro, e pediu que comprasse o instrumento para ela. A ele, Nhá Chica entregou um papel com o endereço na capital de onde ele deveria comprá-lo, na Rua São José, 73.

Raposo levou o órgão de trem até Barra do Piraí (RJ), mas de lá, teve que seguir viagem de carro de boi. “Quando o órgão chegou em Baependi, não funcionava. Nhá Chica começou a rezar e disse que Nossa Senhora da Conceição havia dito que o instrumento só funcionaria no dia seguinte, sexta-feira, às 15h. E neste exato momento, o órgão foi tocado pelo maestro para toda a população, que se aglomerou em volta para ver”, relata Maria do Carmo.

Morre Nhá, nasce uma beata
Nhá Chica morreu no dia 14 de junho de 1895 com cerca de 85 anos, já que ninguém sabe ao certo quando ela nasceu. Em 1894, o médico carioca e também estudioso de hidrologia Dr. Henrique Monat, passava por Caxambu para estudar as águas da cidade e ouviu falar de Nhá Chica. Cético, porém curioso, conversou com a leiga e registrou toda a entrevista em seu livro “Caxambu”, no qual ele dedica todo um capítulo a contar a história dela. Este é um dos principais registros que se tem da beata.

“Ela podia ser simples, mas acompanhava tudo, e tinha um sentimento de cidadania muito forte”, comenta Maria do Carmo. “Quando da construção da capela, ela pagou um alvará de funcionamento para a cidade, mesmo construindo no terreno dela. Apesar de viver em reclusão, no dia da abolição da escravatura ela se juntou ao povo da cidade para comemorar a conquista”, completa. Não aceitava mérito por seus milagres e graças. Sempre que alguém se admirava por coisas que aconteciam sob sua influência, ela repetia: “Isso acontece porque rezo com fé”.O médico saiu da entrevista falando da santidade da religiosa e registrou no livro que ela deveria ser canonizada. 

Monat também contratou um fotógrafo e tirou a única foto que existe de Nhá Chica. Um ano depois, ela morreria. Apesar de analfabeta e morando no interior de Minas Gerais, o médico fez perguntas sobre a República para Nhá Chica, que acabava de ser instaurada no Brasil, e ouviu que ela achava que não era uma coisa boa o que fizeram com Dom Pedro II, e que via a República como uma instituição fragilizada, “amarrada com cipó”.
A capela de Nossa Senhora da Conceição que Nhá Chica construiu foi demolida em 1940. Um santuário foi erguido anos depois no mesmo local, onde também estão os restos mortais da beata. A comissão em prol da beatificação de Nhá Chica começou em 1989 e foi concluída em 2012, com a assinatura do decreto pelo Papa Bento XVI. Em todos os anos de vida e morte da beata, incontáveis graças são atribuídas à leiga Mãe dos Pobres de Baependi.
fonte:http://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2013/04/nha-chica-conheca-historia-da-primeira-beata-do-sul-de-minas.html
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Ainda pequena Francisca de Paula de Jesus, que nasceu em Santo Antônio do Rio das Mortes, distrito de São João del-Rei (MG), chegou em Baependi (MG). Veio acompanhada por sua mãe e por seu irmão, Teotônio. Dentre os poucos pertences, trouxeram uma imagem de Nossa Senhora da Conceição.

Em 1818, com apenas 10 anos de idade, a mãe de Nhá Chica faleceu deixando aos cuidados de Deus e da Virgem Maria as duas crianças, Francisca de Paula de Jesus, com 10 anos e seu irmão, com então 12 anos. Órfãos de mãe, sozinhos no mundo, Francisca de Paula e Teotônio, cresceram sob os cuidados e a proteção de Nossa Senhora, que pouco a pouco foi conquistando o coração de Nhá Chica. Esta, a chamava carinhosamente de "Minha Sinhá" que quer dizer: "Minha Senhora", e nada fazia sem primeiro consultá-la.

Nhá Chica soube administrar muito bem e fazer prosperar a herança espiritual que recebera da mãe. Nunca se casou. Rejeitou com liberdade todas as propostas de casamento que lhes apareceram. Foi toda do Senhor. Se dava bem com os pobres, ricos e com os mais necessitados. Atendia a todos os que a procuravam, sem discriminar ninguém e, para todos tinha uma palavra de conforto, um conselho ou uma promessa de oração. Ainda muito jovem, era procurada para dar conselhos, fazer orações e dar sugestões para pessoas que lidavam com negócio. Muitos, não tomavam decisões sem primeiro consultá-la, e para tantas pessoas, ela era considerada uma "santa", todavia em resposta para quem quis saber quem ela, realmente, era, respondeu com tranquilidade: "... É porque eu rezo com fé".

Sua fama de santidade foi se espalhando de tal modo que pessoas de muito longe começaram a visitar Baependi para conhecê-la, conversar com ela, falar-lhe de suas dores e necessidades e, sobretudo para pedir-lhe orações. A todos, atendia com a mesma paciência e dedicação, mas nas sextas feiras, não atendia a ninguém. Era o dia em que lavava as próprias roupas e se dedicava mais à oração e à penitência. Isso porque sexta-feira é o dia que se recorda a Paixão e a Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo para a salvação de todos nós. Às Três horas da tarde, intensificava suas orações e mantinha uma particular veneração à Virgem da Conceição, com a qual tratava familiarmente como a uma amiga.

Nhá Chica era analfabeta, pois não aprendeu a ler nem escrever, desejava somente ler as Escrituras Sagradas, mas alguém as lia para ela, e a fazia feliz. Compôs uma Novena à Nossa Senhora da Conceição e em Sua honra, construiu, ao lado de sua casa, uma Igrejinha, onde venerava uma pequena Imagem de Nossa Senhora da Conceição que era de sua mãe e, diante da qual, rezava piedosamente para todos aqueles que a ela se recomendavam. Essa Imagem, ainda hoje, se encontra na sala da casinha onde ela viveu, sobre o Altar da antiga Capela.

Em 1954, a Igreja de Nhá Chica foi confiada à Congregação das Irmãs Franciscanas do Senhor. Desde então teve início bem ao lado da Igreja, uma obra de assistência social para crianças necessitadas que vem sendo mantida por benfeitores devotos de Nhá Chica. Hoje a Associação Beneficente Nhá Chica (ABNC) acolhe mais de 150 crianças entre meninas e meninos.

A "Igrejinha de Nhá Chica", depois de ter passado por algumas reformas, é hoje o "Santuário Nossa Senhora da Conceição" que acolhe peregrinos de todo o Brasil e de diversas partes do mundo. Muitos fiéis que visitam o lugar, pedem graças e oram com fé. Tantos voltam para agradecer e registram suas graças recebidas. Atualmente, no "Registro de graças do Santuário", podem-se ler aproximadamente 20.000 graças alcançadas por intercessão de Nhá Chica.

Nhá Chica morreu no dia 14 de junho de 1895, estando com 87 anos de idade, mas foi sepultada somente no dia 18, no interior da Capela por ela construída. As pessoas que ali estiveram sentiram exalar-se de seu corpo um misterioso perfume de rosas durante os quatro dias de seu velório. Tal perfume foi novamente sentido no dia 18 de junho de 1998, 103 anos depois, por Autoridades Eclesiásticas e por membros do Tribunal Eclesiástico pela Causa de Beatificação de Nhá Chica e, também, pelos pedreiros, por ocasião da exumação do seu corpo. Os restos Mortais da Venerável se encontram hoje no mesmo lugar, no interior do Santuário Nossa Senhora da Conceição em Baependi, protegidos por uma Urna de acrílico colocada no interior de uma outra de granito, onde são venerados pelos fiéis.
fonte:http://www.nhachica.org.br/sobre-a-nha-chica-historia.php
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Como prometi em “Nhá Chica é uma santa negra que nasceu escrava?” (O TEMPO, 14.5.2013), fui a Baependi (MG) para ver a santa de perto. Desde maio, mergulhei no mundo da santinha de Baependi. Li dois livros sobre ela: “Nhá Chica, Mãe dos Pobres”, de Rita Elisa Seda (Editora ComDeus), e “Nhá Chica Perfume de Rosa”, de Gaetano Passarelli (Paulinas).

Entrevistei Osni Paiva, o escultor-santeiro de São João del Rei que esculpiu a imagem oficial de Nhá Chica, com policromia do artista Carlos Magno de Araújo, encomendada por dom Diamantino, bispo de Campanha (MG), com base na única foto dela existente, publicada no livro “Caxambu” (1894), do médico Henrique Monat, no capítulo “Entrevista com Nhá Chica”.

Osni Paiva afirmou: “Nhá Chica não era preta, era parda; logo, da raça negra”. Indagado se não se sentia constrangido de a Nhá dele ser diferente das imagens populares, que a apresentam como negra, disse que não, pois foi fiel aos traços da foto e à declaração do dr. Monat de que ela era “morena”, então “não fiz uma Nhá Chica branca!”.

Osni Paiva pode estar certo. Nhá Chica é a segunda geração de Nhá Roza de Benguela, escrava de Custodeo Ferreira Braga, provável pai de sua mãe, Izabel Maria, mestiça de preto com branco, que foi vendida para um membro da família Pereira do Amaral, com quem teve Maria Joaquina e Theotônio Pereira do Amaral, ambos registrados e criados pelo pai; após ter os filhos, foi alforriada pelo seu dono. Quando Nhá Chica nasceu (1808), sua mãe era uma mulher livre, que trabalhava para a família Alves, em Porteira dos Vilelas (Passarelli, 2013).

Intrigava-me como uma ex-escrava sai de São João del Rei chega a Baependi e compra uma chácara. Compartilhei com Osni Paiva a indagação. Para ele, a resposta desvendaria a alforria de Izabel. Encontrei a história em “Nhá Chica Perfume de Rosa”. Theotônio e Maria Joaquina foram mandados, pelo pai, para Baependi, lugar próspero à época. A mãe acompanhou o filho. Enquanto o palacete dos filhos Pereira do Amaral era na principal rua da cidade, ela e Nhá Chica se acomodaram numa chácara, hoje rua da Conceição, 165, que dizem ter sido comprada com o auxílio do Amaral pai e do padrinho de Nhá Chica, Ângelo Alves, seu possível pai.

Em Baependi, Nhá Chica é uma sempre-viva, a flor imortal, no coração do povo. Falam dela como se estivesse viva! No santuário da Imaculada Conceição, erguido englobando a antiga igrejinha de Nhá Chica, onde ela está sepultada, ao lado ficam a casa de Nhá Chica e o Memorial Nhá Chica. A nova imagem de Nhá Chica, entronizada no santuário da Imaculada Conceição, é uma obra de arte de rara beleza; de fato, Osni Paiva não a fez branca. É parda. Logo, negra, embora não seja preta. População negra é o conjunto de pretos e pardos. Em conversas com romeiros e pessoas do lugar, quase 100% dizem preferir a Nhá Chica preta da imagem tradicional!

Elementar que Nhá Chica não seja preta. Sua avó e a mãe foram submetidas, pelos seus donos brancos, ao estupro colonial. Trazidas para o Brasil na condição de trabalhadoras escravas, vítimas do estupro colonial, as africanas e suas descendentes não eram donas de seus corpos. A possibilidade de decidir sobre o próprio corpo e o exercício livre da sexualidade é uma experiência muito nova para nós, negras; data de apenas 125 anos (1888, Lei Áurea).
autora: Fátima Oliveira
fonte:http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/f%C3%A1tima-oliveira/a-santa-nh%C3%A1-chica-%C3%A9-uma-mesti%C3%A7a-descendente-do-estupro-colonial-1.688589

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